O Xeque-Mate de Vincenzo
🕊 Inzaghi manda avisar que contém muitos spoilers nesta postagem 🕊
🕊 Inzaghi manda avisar que faltam apenas 12 horas 🕊
Vincenzo é um drama sobre um consigliere (implacável, porém justo) da máfia italiana que retorna para seu país de origem em busca do ouro escondido no porão do Geumga Plaza e se você busca por um enredo realista e totalmente obscuro, este drama não é para você. Balanceando os gêneros de comédia, ação e drama de maneira perfeita, Vincenzo se torna excelente porque reconhece seu limite e não se leva tão a sério naquilo que chamamos de 'reviravoltas sem fim.' O elenco é perfeito, as personagens são incríveis e é maravilhoso conhecer um pouco mais de cada um à medida que a história avança e as tramas são reveladas e costuradas umas às outras como um grande tapete de boas-vindas no corredor de emoções onde o drama se edifica: nós rimos, choramos, gritamos, nos revoltamos e passamos os dias contando as horas para o final de semana chegar.
Da busca materialista a uma luta mais humana, os significados de Vincenzo tornam o drama um entretenimento completamente satisfatório. Os diálogos são bem escritos, os alívios cômicos são bem construídos e todos, sem exceção, têm o tempo de tela ideal para aprimorar suas particularidades e revelar seus talentos ocultos, rs. Tudo ali tem uma razão de ser: do pombo de estimação ao café instantâneo, do vinho de arroz à batata doce, e a simpatia das personagens é tão latente que o anti-herói e o antagonista tornam-se apaixonantes. Não menos importante, o drama sabe utilizar-se do tempo de tela sem deixar a história monótona, tem uma trilha sonora muito boa e mescla cenas de ação e violência com emoção e humor, corroborando o ritmo maduro de um roteiro coeso.
O xadrez pode ser chamado de jogo, arte, ciência ou esporte. A partir do 17º episódio de Vincenzo, um novo adjetivo pôde ser acrescido à lista porque o gato saciado decidiu brincar com o rato, fez de Seul seu tabuleiro e moveu a primeira peça com bastante cuidado e sem esquecer-se de que, antes de fazer um movimento, é necessário prever todas as possíveis consequências da jogada, já que um ato impensado pode colocar o jogador em situação difícil, principalmente se tal movimento expor o Rei a um xeque ou xeque-mate.
No xadrez é exigido dos jogadores um alto nível de planejamento, concentração, raciocínio e uma pitada de frieza para calcular o terreno que se tem e o que se pretende conquistar, qualidades existentes em nossos dois protagonistas. Jun-Woo enganou todo mundo (ou quase, caso você não tenha sido pego de surpresa! E fica aqui a ovação a este atorzão que é o TaecYeon) ao revelar-se o grande antagonista da trama, comprovando que, tal qual o Chapolin, seus movimentos são friamente calculados. Vincenzo, como gosto de falar (Mari), tem um cérebro pesadíssimo porque quando a gente pensa que ele tá indo com a farinha, ele já comeu o bolo inteiro. Dois jogadores incríveis e de alto nível que se colocaram no tabuleiro e ansiaram pelo fatídico embate entre a máfia tradicional vs a máfia corporativista; do consigliere vs o psicopata. Assim, utilizando-se desta analogia, resolvemos analisar os 18 episódios do drama, considerando as personagens como peças do tabuleiro, enquanto esperamos pelo desfecho e o tão aguardado xeque-mate.
Os Jogadores, que também são os Reis:
Vincenzo Cassano (Song Joong-Ki)
Vincenzo Montella foi um dos grandes atacantes da liga italiana de futebol e vestiu, no final de sua carreira, a camisa da Roma, a segunda usada por Antonio Cassano, meia-atacante carismático e controverso, no maior estilo ame ou odeie. Cassano, por sua vez, declarou em sua autobiografia que, "se não fosse jogador de futebol, seria bandido" e contou que fora abandonado pelo pai e fizera amizade com mafiosos ainda jovem, costurando mais uma referência à escolha do sobrenome do nosso protagonista. Em 2011, Cassano vestiu a camisa do Milan e jogou no mesmo time do Pippo Inzaghi, um dos maiores atacantes que eu (Vanessa) já vi jogar, nome escolhido para batizar o melhor pombo em atividade pelo céus coreanos (Richarlison, o resto do mundo continua seu). É um trio de posição ofensiva cujo objetivo é o gol, a conquista da meta e, como bom protagonista que carrega o nome do drama: a vitória.
Como enxadrista, Vincenzo obedece fielmente a seu manual de etiqueta, invocando o fair play até o momento que seu oponente esteja disposto a jogar com as mesmas regras, mas as trapaças são punidas na mesma medida ou até de maneira pior, afinal: olho por olho, dente por dente. Vincenzo Cassano é o tipo de anti-herói de moral cinza que entretém e leva o telespectador a amar e torcer, a entender os motivos dele ser quem é e fazer o que faz. Seja chorando dolorosamente às costas de sua mãe, sendo modelo do Bye Bye Ballon, encontrando uma família junto aos moradores do prédio e distribuindo sorrisinhos pra Cha-Young, seja incendiando prédios, matando pessoas por meio de planos mirabolantes e personificando a frieza sombria através de olhos completamente sem alma no final do episódio 16.
Jang Jun-Woo aka Babo (TaecYeon)
As referências ao nosso vilão podem ser costuradas com a Bíblia: a história da Torre de Babel fora narrada no capítulo 11 do livro de Gênesis, quando descendentes de Noé decidiram construir uma torre que alcançasse o céu e, por este motivo, foram castigados com confusão de línguas e dispersão. A palavra Babel deriva do hebraico bavél e significa “porta/portão de Deus”; também é explicada pela etimologia popular da palavra basal (relacionada foneticamente com o nome babel) que significa “confusão/mistura”. A torre fora edificada como forma de dominação, um dos planos do Jang Jun-Woo nas multiformas de serviços que a Babel oferece e atua, evidenciando a soberba, a vaidade, a arrogância, e o complexo de Deus daquele que a comanda; complexo este que pode ser relacionado com Lúcifer, nascido o anjo mais lindo e expulso pelos portões do céu — e o olhar do Jun-Woo no final do episódio 16 é o mesmo retratado pelo Alexandre Cabanel em The Fallen Angel.
A confusão de línguas, assim que Deus desce para ver a edificação da torre antes de destruí-la, pode ser entendida pelas subtramas do TeamBabel que, muitas vezes, acaba não surtindo o efeito esperado; a dispersão dos edificadores, percebida pelas perdas sucessivas de poder do Babo. Há uma tradição judaica que acredita que Deus lançou fogo do céu e queimou toda a Torre de Babel, uma excelente relação com o fato de o Vincenzo carregar um isqueiro consigo sempre que liga o modo dark.
Torre: Choi Myung-Hee (Kim Yeo-Jin)
A Torre é, preferencialmente, não utilizada no começo da partida, o que confirma a chegada da ex-promotora ao time da Wusang e, consequentemente, seu uso pelas mãos do Babo sendo aumentado à medida que o drama foi avançando. De valor tático e estratégico, visa sempre o ataque ao Rei adversário, mas não pode pular peças, o que significa ter de lidar com um conflito por vez, seja arquitetando a morte do Sr. Hong, seja filiando pessoas influentes ao TeamBabo, como a Choi fez até o momento. Pensada para sustentar a defesa, a Torre é utilizada para limitar os movimentos do Rei adversário, e organizar a morte da mãe do Vincenzo diz muito sobre isso...
Dama - Hong Cha-Young (Jeon Yeo-Bin)
Essa é a peça mais poderosa no jogo de xadrez e a Cha-Young cumpre este papel perfeitamente. A Dama é a peça com maior mobilidade, sendo a junção da Torre e do Bispo em uma peça só e, com o auxílio do seu Rei, por exemplo, pode vencer uma partida contra um Rei solitário — o que vimos na reta final do drama. A nossa Dama foi rapidamente afastada do Rei adversário e seus movimentos foram sempre muito bem calculados junto ao Rei de mesmas cores. Ao longo dos 18 episódios vimos porquê Cha-Young é a peça mais importante desse tabuleiro: ao lado de Vincenzo, os dois derrubaram todo o conglomerado Babel, trouxeram à tona o temido Arquivo Guilhotina e fecharam Babo em uma gaiola, o levando até a borda do tabuleiro. Para os enxadristas, "devido à multiplicidade dos movimentos possíveis da Dama e a possibilidade de xeque perpétuo, os finais com a Dama são notoriamente difíceis de vencer." Babo se esqueceu dessa importante lição no xadrez e, ao deixar Cha-Young para o final, cometeu um grande erro.
Cavalo: Hong Yu-Chan (Yoo Jae-Myung) e a Jipuragi
Apesar de ter aparecido apenas em três episódios, o Sr. Hong foi extremamente necessário para que tudo se desenrolasse. O Cavalo é a peça que possui movimento diferenciado ao caminhar pelo tabuleiro, andando sempre "de três em três" casas, o mesmo número que simboliza a Jipuragi e seus trios formados por Sr. Hong, Sr. Nam (Yoon Byung-Hee) e Vincenzo / por Sr. Nam, Vincenzo e Cha-Young. A peça anda duas casas verticalmente e faz um movimento horizontal, e vice-versa; evidenciando que, às vezes, temos de retroceder para poder avançar. Hong Yu-Chan lutava pelos "mais fracos e certamente oprimidos" e, ao enfrentar a Babel, foi levado até o seu limite: só que quanto mais perto das bordas do tabuleiro, menores são as opções do Cavalo. Antes de ser assassinado, seu último desejo tornou-se realidade. Ele desejou que um monstro aparecesse e o ajudasse contra o monstro com quem ele, bravamente, lutava.
Bispo: Cho Yeong-Un (Choi Young-Joon) e a Wusang
O Bispo é a peça que fica ao lado do Rei na organização inicial do tabuleiro, sendo utilizada de maneira tática para tentar construir o xeque-mate, já que seu papel é principalmente ofensivo, mas seus movimentos permitem que seja possível montar uma defesa ao utilizar menos peças, por exemplo: o que nos faz pensar no Sr. Cho, o escudeiro do Vincenzo, e na Wusang, o escudo legal para providências ilegais do Babo. O Bispo movimenta-se livremente em número de casas e sempre na diagonal, sendo sua única limitação a cor da casa em que se encontra, não permitindo as escalas de cinza, algo que podemos ver no Sr. Cho que, colecionando pequenas traições ao seu Rei, sempre retorna para o seio da família Cassano. A Wusang, por sua vez, funciona como o grande escudo para o seu Rei e, por diversas vezes, vimos a “tática do garfo” ser realizada durante o drama para capturar o Cavalo — evidenciado na quantidade de vitórias do time de advogados da Babel e todos os movimentos que o Rei Babo continuou fazendo livremente por ter os setores mais importantes de Seul dentro do bolso.
Peões: Moradores e Jang Han-Seo (Kwak Dong-Yeon)
Aqui nós temos dois pontos importantes ao analisar a peça mais modesta do tabuleiro. O Peão desbrava o terreno para que as demais peças avancem e conquistem poder e, apesar de ser vista de forma singela, o trabalho desta peça é de suma importância. Para François-André Philidor "os peões são a alma do xadrez e de sua boa ou má colocação depende muitas vezes o resultado de uma partida"; qualquer semelhança com o pessoal do prédio não é mera coincidência.
O Geumga Plaza é composto não apenas por apartamentos e pontos de trabalho, mas por pessoas que solidificaram o significado de pertencimento ao transformar vizinhos numa grande família. Como partes de um mesmo corpo, cada um deles mostrou-se imprescindível para que as grandes jogadas do Rei e da Dama fossem ofensivas. Um fato a ser observado é que o Peão é a única peça à qual não é facultado o arrependimento, uma vez que não se pode voltar ao local de origem e, quanto mais ele anda, menos ele consegue se mover: no final do 7º episódio tivemos a pintura de A Liberdade Guiando o Povo, de Eugène Delacroix, ser reproduzida durante a primeira ofensiva conjunta do pessoal do prédio. Dez episódios depois, a família Cassano vestiu seu terninho preto e arregaçou as mangas, após uma cena bastante emotiva protagonizada pela Hee-Soo aka tia do tteokbokki (Lee Hang-Na): "todo esse tempo nos achávamos fracos, mas não éramos fracos; só não tentamos ser fortes. Vamos dar tudo de nós agora. Deixe-nos lutar."
Quanto ao Han-Seo, nosso amado Babinho, nós podemos afirmar que ele é aquele tipo de Peão promovido tamanho seu desenvolvimento durante a trama. Segundo enxadristas, “um Peão na sua casa original vale um ponto, mas ao conseguir atingir a oitava casa, é recompensado por tão meritória façanha e sofre uma metamorfose, passando a ser um Bispo, uma Torre, um Cavalo e até mesmo uma Dama, de acordo com as preferências de cada um e as circunstâncias da posição.” E queremos frisar a palavra metamorfose porque é a melhor que se aplica a este Peão: de uma marionete a agente duplo que encontrou um hyung para chamar de seu, que cresceu em conhecimento e autoconhecimento, e a gente vibra ao rever a cena dele tripudiando o irmão enquanto este é levado preso. Os Peões marcham na vertical, mas capturam suas peças de forma oblíqua; algo que o Babinho tem feito muito bem!
O esperado Xeque-Mate:
O episódio 18 de Vincenzo terminou num xeque: o Rei Babo está ameaçado, mas ainda pode escapar porque há muito para ser jogado e tudo ganha contornos pesados demais ao considerarmos que os dois Reis são imprevisíveis e cheios de artimanhas. A promo do 19, episódio que veremos daqui 12 horas, mostrou o que parece a cena definitiva entre Cha-Young e Babo, o que nos fez pensar nas palavras do enxadrista prestes a dar mate: "eu mexo a Dama muito pouco, ela fica geralmente servindo de barreira e, enquanto isso, eu vou aproximando o Rei. (...) Afaste a Dama do Rei para não afogar o Rei”.
O lance que põe fim à partida acontece quando uma ou mais peças ataca o Rei adversário, impossibilitando que ele possa mover-se ou bloquear o ataque. "Você cria uma gaiola para o Rei e o empurra para o fundo do tabuleiro," local onde o Jun-Woo está no momento, mas não deve permanecer por muito tempo até porque faltam dois episódios de 1h20 e, se há algo que o drama sabe fazer, é reviravolta! Apesar de um Xeque-Mate Pastor (quatro movimentos em que as peças brancas conseguem vencer a partida ao mover os Peões, o Bispo e a Dama) desenhar-se para o episódio 19, apenas durante o último episódio, que vai ao ar no domingo (02), é que assistiremos ao final da partida e veremos como será o xeque-mate do Vincenzo. Vocês estão prontos? Nós não conseguimos nos segurar de tamanha ansiedade!
E por falar em não conseguir se segurar, eis nossas previsões (e expectativas!) para o tão aguardado final de Vincenzo, naquilo que gostamos de chamar de liberdade poética:
não sei se vocês já viram, mas babo em coreano soa como a palavra que usam pra "bobo/besta/idiota". foi a primeira coisa que pensei quando apelidaram o vilão assim quando não sabiam o nome ainda!